As finanças da Chapecoense: eficiente e prudente, o melhor exemplo do futebol brasileiro

Época/Divulgação
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Chapecoense impressiona. Desconhecida do torcedor médio até a promoção para a primeira divisão em 2013, na cola do Palmeiras que ganhou a Série B daquele ano, a equipe catarinense tinha tudo para repetir o roteiro dos que vêm da segunda divisão: subir, lutar e cair. Mas ela ficou e se consolidou. Passou a figurar como principal time de futebol de Santa Catarina no país. Depois que a trágica queda de seu avião em novembro de 2016 vitimou praticamente todo seu time profissional, era justo, apesar de triste, supor que o time teria tudo para ser rebaixado em 2017. Mas a Chape resistiu. Mesmo tendo frequentado a zona de descenso em parte da temporada, recuperou-se esportivamente e encerrou o ano com uma das melhores relações custo-benefício da primeira divisão brasileira. E tudo isso sem perder uma característica de sua gestão: a prudência.

As finanças da Chapecoense foram radicalmente afetadas pelo desastre ocorrido no fim de 2016. Os efeitos positivos aparecem, sobretudo, em duas linhas do balanço financeiro referente ao ano de 2017 – a receita com sócios torcedores e a entrada de doações. O faturamento do programa de associação mais do que dobrou e rendeu R$ 14 milhões – por incrível que pareça, mais do que os sócios torcedores de Corinthians, São Paulo e Botafogo puseram nos cofres de seus respectivos times. Os catarinenses se valeram da comoção global gerada a partir do acidente aéreo e lançaram novas modalidades de associação, motivo pelo qual cresceram tanto. Nas doações, há R$ 10 milhões vindos de pessoas que quiseram ajudar na reconstrução da equipe. Aí está também a doação feita pelo Barcelona, o único clube de futebol que se dispôs a ir além das homenagens no Twitter e prestar apoio financeiro de fato

Com todas as suas fontes de receita incrementadas, além das duas linhas mencionadas no parágrafo, a diretoria pôde fazer investimentos para assegurar a permanência na primeira divisão. O balanço mostra que R$ 14,5 milhões foram dedicados às contratações de novos jogadores para compor o time, um fato atípico no histórico de compras da Chape. Em 2016, tinham sido investidos apenas R$ 3,3 milhões na equipe que chegaria à decisão da Sul-Americana. Os atletas trazidos também são mais caros. O clube também manteve a curva ascendente de seus gastos com remunerações – a combinação de salários e direitos de imagem. Os R$ 61 milhões destinados a este fim representaram um reajuste considerável em relação aos R$ 38 milhões da temporada anterior. Era natural que a Chapecoense elevasse as cifras de contratações e remunerações. A sofrível e atípica situação na qual foi imposta a forçou a isso.

O torcedor assistiu ao desenrolar da temporada com aflição, principalmente no momento em que a Chape perdia performance e frequentava a zona de rebaixamento. A má fase não durou muito. O pique dado nas rodadas finais pôs a equipe na 8ª colocação, classificada até para a Libertadores seguinte. Aqui vale fazer o seguinte exercício. A Chapecoense conseguiu tal posição com a 14ª maior folha salarial da primeira divisão. É o sinal mais claro de eficiência esportiva que se pode ter em meio a indicadores financeiros. A maioria dos times acabou em um lugar da tabela do Campeonato Brasileiro muito próximo de sua classificação no ranking de investimento em salários. Aqueles que destoam positivamente, como é o caso, evidenciam o trabalho do futebol para obter resultados satisfatórios diante da realidade financeira.

Mesmo com gastos mais altos do que nas temporadas anteriores, a Chapecoense manteve a tradição de registrar superávit. Em 2017, sobraram R$ 5,2 milhões. Este número representa a diferença entre tudo aquilo que foi arrecadado no decorrer do ano e tudo o que foi despendido. E, se não bastasse o fato de que poucos clubes brasileiros conseguem terminar o ano no azul, há outro diferencial. Ciente de que as consequências do acidente aéreo de 2016 ainda não cessaram, a administração alviverde passou a reservar 80% do superávit no caixa do clube para arcar com eventuais riscos. Um cartola qualquer queimaria o dinheiro excedente em mais contratações para as temporadas seguintes, no afã de conquistar algum título nacional ou internacional. A Chape manteve a prudência.

Essa prudência faz com que a Chapecoense seja o único time de futebol brasileiro em que se pode apontar “endividamento zero”. É óbvio que dívidas existem. A equipe possui impostos não pagos no passado parcelados em acordos com o governo. Tem valores compromissados com os times de quem comprou jogadores em sua reconstrução. Principalmente, tem a perspectiva de perder processos trabalhistas movidos por familiares das vítimas do desastre. A questão é que a administração alviverde tem dinheiro em caixa para fazer frente a todas essas obrigações e ainda sobrar. As dívidas somam R$ 26 milhões. Entre cifras que estão disponíveis na conta bancária e aplicadas em investimentos financeiros, ambos com liquidez imediata, há R$ 31 milhões. Na prática, sobram R$ 5 milhões. É como um cidadão que tem dívidas a pagar, mas guardou dinheiro suficiente para quitar todas e ainda sobrar. Dentro do critério de endividamento adotado por ÉPOCA, dá dívida zero.

O que pode dar errado? Há famílias de jogadores mortos no acidente aéreo que moveram ações judiciais contra o clube, com pedidos de indenizações por danos morais e materiais. Naquelas ações em que o departamento jurídico alviverde considera a perda “provável”, seus valores foram contingenciados e estão inclusos no endividamento exposto no balanço e no calculado por ÉPOCA. Há também ações nas quais a perda é tida pelos advogados como apenas “possível”. No fim de 2017, esses processos somavam R$ 17 milhões. É um dinheiro que não foi incluído entre as dívidas e cujo futuro está em aberto. Pode ser que os familiares vençam na Justiça e o recebam do clube catarinense, pode ser que juízes deem razão aos dirigentes. Aí está um risco considerável para a administração da Chape. É por essas e outras que a prudência que lhe caracteriza continua a ser um pré-requisito para que a equipe se mantenha financeiramente saudável.

À altura da publicação deste artigo, a Chapecoense estava na zona de rebaixamento do Brasileirão. Na 18ª colocação, com seis pontos em sete rodadas. Pouco para quem se propõe a continuar na primeira divisão e beliscar torneios continentais, como Sul-Americana e Libertadores. Ainda há muito campeonato pela frente – ainda mais num ano como 2018, em que a pausa do calendário para a Copa do Mundo abre brecha para reabilitação. E a situação atual é tão melhor do que a de cinco anos atrás, quando o time alviverde acabava de desembarcar na elite ao lado do Palmeiras, que as finanças lhe dão motivos para crer pelo menos na manutenção na primeira divisão. Sua folha salarial é maior do que a de rivais menores. Seu endividamento é saudável, melhor do que muitos adversários maiores. A Chape tem tudo para continuar a impressionar.

Jornalismo Rádio Efapi com informações da Época/Globo Esporte.

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